A cobertura do New York Times é, em minha opinião, a chave da loucura mediática que se apoderou da América, é verdadeiramente impressionante a coleção de primeiras páginas a nível nacional que apresenta a Climbing, loucura em termos do que seria “normal” uma escalada, mesmo desta magnitude, atingir.
O Reporter. Começa-se a ler as reportagens e, algo não bate certo, estão bem escritas, mesmo bem, os perfis dos escaladores impecáveis. É estranho a escalada merecer este tratamento, é preciso ir mais fundo. O NYTimes destacou para o local, enquanto durou a escalada, John Branch. Bom, nada de mais dirão alguns, pagaram a um esbirro para estar ali, in loco, a seguir os acontecimentos. Acontece que John Branch tem um Pulitzer na algibeira, que no jornalismo tem mais ou menos o mesmo significado que um Nobel. O pulitzer é sobre a reportagem multimédia Snow Fall The Avalanche at Tunnel Creek, uma reportagem do outro mundo sobre uma avalanche que matou vários esquiadores, não se pode falar em reportagem é mais um projecto multimédia, uma espécie de jornalismo online do futuro, curiosamente, na altura, Filipe Carvalho já me tinha mandado o link com a reportagem, precisamente como exemplo do que para ele seria o futuro, não estava nada enganado, não senhor, e aqui está John Branch em Yosemite, um luxo.
O Editor. Cabe ao editor decidir o que é publicado e publicável e aparentemente o editor de desporto é um esacalador ele próprio, e terá de ser um escalador “a sério” para perceber o que estava em causa, pode ser uma explicação para este súbito, e profundo, interesse pela escalada. É, como já disse no artigo anterior, outra forma de a escalada chegar lá. No fundo o caos da vida resume-se a muitas situações parecidas com esta, fazem-se mil campanhas, mil acções de divulgação, etc, etc, mas basta a pessoa certa no lugar certo, e o grande público já é servido com doses maciças de informação de qualidade sobre escalda, e não reclama…
A Reportagem. A reportagem em si é constituída por uma série de artigos desde o primeiro generalista, quase de apresentação, passando por perfis dos escaladores, o dia-a-dia na parede etc etc, apresentando mesmo no fim um glossário, para ninguém se perder nos termos próprios da escalada. A definição de escalada livre que apresentam ao publico em geral é correcta: “To free climb means to climb without aid — propelled only by hands and feet, attached to a rope merely to catch a fall. And fall they do, sometimes several times while trying to complete a crux, or difficult maneuver.” Uma tarefa que pode parecer simples, mas como veremos quando analisarmos a cobertura dos jornais portugueses é tudo menos isso.
O perfil de Tommy Caldwell é impecável e mesmo para um escalador medianamente conhecedor é interessante. O pai Caldweel sobre o filho em criança: “He once dug a hole so darn big, we could have used it as a foundation for a small house.” E claro pegaram na incrível história do Kyrgyzstan e na do dedo cortado por uma serra num acidente de bricolage, que como “cicatrizes de carácter” lhe dão, e bem, uma densidade muito maior que o simplesmente super-atleta-escalador para o qual não há impossíveis.
Os comentários. Os comentários online nos jornais generalistas são no geral repugnantes, uma espécie de esgoto em forma de vox-populi, e estes no NYtimes, apesar de tidos como dos mais suaves na imprensa generalista, não ficam muito atrás. Serviram para os escaladores se rirem, mais uma vez do entendimento que o publico em geral tem da escalada, com opiniões a voarem em todos os sentidos sem nunca acertarem no alvo, eis aqui uma recoleção dos melhores. Em suma, entre um camponês da Serra da Freita e um new yorker, não há muita diferença no que toca ao entendimento da escalada e tudo se resume a uma pergunta: Que andaiiss vós ali a fajer naquelas pedras?
Para concluir, a melhor cobertura do acontecimento foi de um jornal generalista. Onde andavam as revistas especializadas? A reboque da social media, e no final das televisões, salvou-se talvez Andrew Bisharat da Rock and Ice com os seus artigos no seu site evening sends e artigos para a National Geographic Adventure. SM
Ah, agora sou o primeiro a sentar-me e o prato está bem quente!
Mas já não é dobrada é macDonalds! Não importa.
Sobre a escalada aparecer no NYT não percebo que se lhe dê assim tanta importância. É como dizes, efémero. Amanhã virá no jornal que o Obanha tem um segundo cão de água mas é espanhol. E a notícia será dada com todo o rigor e a alta profundidade dos maiores profissionais dessa arte de escrever em papel de jornal. Vir no jornal, mesmo no NYT, tem a grande dimensão de uma nuvem.
Já aos comentários achei graça, põem no lugar a escalada e o que ela representa para a larga massa. Escolhi este:
“It is disgraceful that they are harming million year old rocks. No one should be able to harm any rock over, say, 100,000 years old. Such rocks are the heritage of our children and their children. If we keep defacing all of the rocks, soon there will be none left.”
Abc
A minha tirada favorita acerca desta escalada é a que se segue e acho mesmo que reflecte a opinião do “comum cidadão” acerca deste nosso vício. Pessoalmente estou-me perfeitamente nas tintas para o publico geral e já deixei de tentar explicar o sentido da escalada a pessoas que respondem: “Sim!… Claro!… Pois, deve ser giro!” mas, cujo olhar denuncia o típico: “Mas afinal de que merda está este a falar?”
O absurdo da escalada é apenas entendido pelos escaladores – e alguns outros aventureiros – “period!”
Dito isto, confesso que me fartei de rir com esta tirada. É sempre saudável saber rir de nós próprios.
Two idiots climb big thing for some stupid reason
A PAIR of morons scaled a sheer rock face for reasons that make no sense whatsoever.
The two men, who are both Americans obviously, spent 19 days showing off on the side of a mountain, even though no-one cares in the slightest.
Climber Kevin Jorgesen probably said something like, ‘wow, that was totally awesome!’ before being hugged by a bunch of hyperactive weirdos who think watching television is a ‘waste of time’.
His climbing friend Tommy Caldwell would no doubt have added something about an ‘adrenalin rush’ as if that is something you are supposed to be proud of.
The two men will now probably be paid a million dollars to appear in an advert for a car or an insurance company or some chocolate.
Meanwhile, it has been suggested that someone should tell them to get a proper job and stop being such a pair of arseholes all the time.
http://www.thedailymash.co.uk/news/international/two-idiots-climb-big-thing-for-some-stupid-reason-2015011594457
Excelente reflexão sobre este tema no evening sends. O Andrew Bisharat deve andar a ler o Nortebouldering .
EhEh,hardly
O A. Bisharat conclui, ao fim de umas voltas bem escritas, que:
“Climbing is a context in which personal meaning can be derived from the utterly meaningless—the sheer absurdity that is climbing rocks for fun. Really, that is the story of rock climbing today: it’s a passion-based framework for leading a pretty good life. No more, no less.”
Não concordo quase nada com isto, mas acho este trecho fascinante pela fotografia que é de uma certa forma de ver a escalada. E logo reforçada a imagem com o trecho seguinte:
“But I feel lucky that we got a couple weeks in the spotlight to share with the world, even for just a moment, what makes climbing the greatest sport on earth.”
Tudo isto é bem a antítese da minha forma de encarar a escalada. Mas lá está, toda a gente cabe no autocarro da escalada com as suas diferentes formas de entender a vida. O único problema é que são apenas alguns que conduzem o autocarro.