Uma nova vaga chega da Alemanha. Não, não se trata de mais austeridade compulsiva, mas exemplos de força teutónica exacerbada aplicada à escalada. Porque é que do outro lado do Reno se tentam sempre impor pela força? Bom, deve ser porque são simplesmente fortes e não se conseguem conter. O Power é sempre sinónimo de barbárie, sejam guerreiros teutónicos, povos equestres das estepes, ou adolescentes com excesso de força no upper body. Ter os bárbaros aos portões é a grande imagem de marca da civilização ocidental, uma espécie de herança psicológica que os romanos nos deixaram antes de desaparecerem, coitados. Mas se calhar é assim que as coisas são, a França vamos buscar a fina técnica, a Espanha a motivação cega e à Alemanha a força. E Portugal…bom Portugal contribui com a anorexia, apertando o cinto, dizem que dá bons resultados para escalar também.
Imaginem a escalada como uma civilização. Uma civilização fundada numa constituição em que imperam princípios éticos irrefutáveis, apurados por mentes filosóficas em que o pensamento ocidental e zen se fundem harmoniosamente no respeito pelas coisas vivas e também, já agora, pelas coisas inertes. Essa constituição permite o desenvolvimento de uma fina técnica de movimento corporal desenvolvida laboriosamente ao longo de muitos e muito anos. De repente, essa civilização, é abalada por hordas guerreiras armadas de campus boards, barras de tracções, tábuas de presas e demais aparelhos de tortura. Sem dar a mínima hipótese aos autóctones, as bestas, rapidamente arrasam tudo e fazem tábua rasa dos antigos princípios, impondo o caos e a força como a única lei. Não seria um espectáculo bonito de se ver, no entanto assistimos a ele todos os dias sem pestanejar.
[vimeo http://vimeo.com/66473915 w=700&h=393]Este vídeo, impressionante, de jan Hojer é um exemplo clássico de um escalador possuído pela síndrome da força e do treino indoor, não é o primeiro e não será o último. Os pressupostos estão lá todos nas suas afirmações, a força impondo-se sobre a técnica, o bloco mais duro jamais realizado é…no próprio muro e o movimento mais “duro que jamais fez” um, verdadeiramente impressionante, 1-9 na campus.
Os guerreiros canibais da Nova Zelândia tinham uma estranha dança, adaptada para actualidade pela sua equipa nacional de Rugby, a famosa haka, onde basicamente uma coreografia de grupo agressiva e intimidatória acaba com a língua de fora, que simbolicamente significa: vocês serão o nosso almoço. Ora este vídeos, chamados de treino, servem exactamente para isso, para intimidar os adversários incautos. Reduzindo a escalado a uma questão de força, são uma espécie de mind games, que antes eram executados em zonas de isolamento de competições, por exemplo. Hoje, com a janela da net, já não ficam como recordações efémeras de poeirentas salas de espera, e subsistem no espaço virtual de modo permanente, um pouco como o lixo espacial. Não existe aqui uma vertente verdadeiramente pedagógica, mas sim intimidatória, eu pelo menos fico intimidado.
Perante uma coisa destas, todos somos fracos e pesamos 100 quilos, pelo menos na consciência. Arrastando-nos, a muito custo, pelas paredes e blocos acima, num vale de lágrimas permanente, imaginando que este ou aquele senhor puxaria, desculpem o termo, ia escrever traccionaria mas a palavra não existe fora da linguagem verbal dos escaladores, a uma mão e sem pés naquela presa que não conseguimos sequer agarrar.
Mas este vídeo é apenas a cereja em cima da praga que atormenta o mundo da escalada recentemente: “vídeos de treino de escaladores famosos”, uma moda que não é de agora. Antes estes segmentos surgiam embutidos no meio de filmes de escalada, seriam os chamados “chouriços de força”, não é um termo feliz, eu sei, substituam para “chouriço de treino” por favor, que passavam quase despercebidos no meio da algazarra geral de escalada. Desde um Edlinger a subir por uma escada de corda com o ar negligente de quem está a comer uma baguete acabada de sair da padaria de La Palude-sur-Verdon, até à doentia sequência de Patxi Usobiaga a treinar, retirada do filme Progression, em que estes se descreve a si próprio como um masoquista. Se não acreditam vejam:
Claro que existe algo de positivo nestes vídeos. Podemos, por exemplo, assistir aos limites físicos do corpo humano, e alguns são mesmo uma verdadeira tentativa de ensinar alguma coisa:
Outros têm propósitos claramente comerciais, embora também didácticos:
[vimeo http://vimeo.com/61430224 w=700&h=393]Por fim, existem ainda vídeos que nos tentam ensinar a aquecer para o bloco…
[vimeo http://vimeo.com/3059724 w=700&h=393]Mas tudo isto são peanuts comparado com o que vem a seguir.
O herói máximo de todo e qualquer escalador de bloco, não, não é o Fred Nicole, tão pouco o Dave Graham, o verdadeiro herói chega-nos de fora do mundo da escalada, estou a falar é claro do Bruce Lee, só um escalador se assemelha, e mesmo assim vagamente para lá da evidente semelhança racial, o nosso herói particular aqui da casa: o Dai Koyamada.
Bruce domina todos os truques possíveis e imaginários de serem feitos com um corpo, que se não é deveria constituir o ideal da escalada. Reparem na sequência de Enter The Dragon em que abre as asas como uma cobra-capelo, incrível, isso sim é um exercício intimidatório.
Para quem os truques ninja não convencem, e gosta do bom velho malhanço, esta é a sequência que deve ver e da qual deve aprender:
[vimeo http://vimeo.com/47321132 w=700&h=393]Este é o verdadeiro vídeo de treino que todos precisamos de ver, está tudo lá na famosa montagem em paralelo do treino de Rocky e Ivan Drago, retirada do filme Rocky 4. O Homem versus a Máquina, a tecnologia versus o analógico, o laboratório high tech contra a beatitude da cabana isolada na montanha, a insídia do doping contra a pureza da motivação interior.
A maneira mais fácil de aplicar a terapia aqui visualizada é a seguinte:
Malhar com qualquer coisa que esteja à mão no quintal lá de casa, uma carroça, troncos de árvore, carros velhos abandonados etc.
A seguir, pressupondo que sobrevivemos sem contrair uma hérnia, identificar a montanha ou crista montanhosa mais próxima das nossas casas, no nosso caso seria a Serra de Pias em Valongo, subi-la a correr olhando constantemente para trás de forma paranóica como se fossemos acossados por agentes secretos do KGB, fiscais das finanças também servem se preferirem. Uma vez chegados ao topo, gritar bem alto, tem de ser um grito gutural e a vir das entranhas, o nome da via ou bloco que teima em fugir ao nosso assédio. Se resultou para o Rocky pode muito bem resultar para nós também. SM
Albeit não ser especificamente sobre vídeos de treino aproveitava o mote e solicitava ao NB um disco pedido – o seu comentário (se possível sobre a forma de um futuro post) based on:
http://www.rockandice.com/lates-news/tnb-what-happened-to-climbing-films
x
http://eveningsends.com/2013/06/the-buzzword-storyteller/
Rosado
Um disco pedido é uma coisa séria, e como tal não pode ficar sem atenção. O tema é premente e interessante e as referencias, o TNB da R&I e o blog do Andrew Bisharat, são do melhorzinho que existe na net na actualidade. Obrigado pelos links estes dois textos tinham-me falhado, seguirá para breve um post adequado.
Mais um que pode ser interessante ler também
http://emilyaharrington.com/2013/06/10/morocco-our-story/
Este artigo… A-BA-FOU! Bom de mais.
Também temos este vídeo de aquecimento do bruce lee, a prova de que é possível intimidar com recurso a outros meios:
Protesto. Esta adulteração do original trás a desgraça ao filme e ao nosso herói, mas também, e talvez mais importante e premente, à magnifica música do Marvin Gaye. Harghhh…
Muito bom, boa perspectiva, bom humor.
O Rocky IV é sem dúvida o melhor filme de sempre! Não há grande coisa a dizer, basta ver o filme para ficarmos com essa certeza! “In the warriors code there’s no surrender, Though is body says “Stop”, His spirit cries “Never! ” É talvez um daqueles filmes obrigatórios antes de ir malhar 😉
Bom artigo, incluir a cena do Rocky é a cereja no topo do bolo! Vou ali fazer umas elevações
E temos também modelos internos de motivação bruta, no quadro das citadas hakas do post http://www.youtube.com/watch?v=HbQqjvWLZuA é impossível não sentir vontade de partir qualquer coisa com as mãos…
Já não me lembrava da Haka Barrosã…é de facto qualquer coisa, como é que um país que produz isto pode estar em crise, transmontanos ao poder já!
Fantástico artigo! Com um excelente potencial babugento:) Contudo, na minha opinião só peca por não ter o mais recente vídeo dos treinos do ex-Campeão Nacional (http://sicnoticias.sapo.pt/pais/2013/06/10/aldeia-de-atenor-abriu-as-velhas-adegas-aos-turistas-no-fim-de-semana). Claro, estamos a falar de King Kong. A filosofia é basicamente a mesma, “até te escacho”, intimidar os adversários, “carimba aqui” 🙂
http://sicnoticias.sapo.pt/pais/2013/06/10/aldeia-de-atenor-abriu-as-velhas-adegas-aos-turistas-no-fim-de-semana
Aconselho ás mulheres que se entusiasmaram com um treino mais intensivo que leiam este artigo e que procurem a ajuda de um especialista 🙂 http://www.acupuncturetoday.com/mpacms/at/article.php?id=30304
banda sonora para este bom artigo, uma colheita de 79: