A morte por suicídio, saltando de uma ponte mais concretamente, de Tony Scott abalou o mundo do cinema no princípio desta semana. O pesar pelo desaparecimento de um bom realizador e produtor, já lá iremos, foi no entanto incrementado pela natural identificação que sentimos ao sabermos que era um escalador. Não uma estrela de cinema que foi uma vez ao ginásio praticar escalada ou fazer rapel, mas um escalador verdadeiro, ou pelo menos teria sido, como está patente no excelente obituário escrito por Alison Osius para a Rock and Ice. Portanto esta espécie de sentimento de irmandade vertical compele-me a escrever algo. Se da sua vida de escalador só agora, e postumamente, tomei conhecimento, os seus filmes são outra história.
Irmão mais novo de Ridley Scott, quem não souber quem é Ridley Scott pare de ler e vá imediatamente ver Blade Runner ou, se andróides com problemas existenciais não for o seu género, o Thelma & Louise para uma catarse emocional da pior espécie. Adiante. Na actualidade os dois irmãos produziam juntos uma das melhores séries de televisão de sempre: The Good Wife. Tony Scott ficará, no entanto, conhecido como o realizador do maior hino teenager dos anos 80, podia estar a falar do An Officer and a Gentleman, mas não, trata-se do Top Gun, quem não quis ser piloto de caças e namorar a Kelly McGillis? E qual rapariga não quis ser, por seu lado, namoradinha do Tom Cruise? Do Sr. Cruise pouco mais haveria a esperar, exceptuando talvez a sua participação no Magnólia, Já o Sr. Scott guardava outros truques na manga.
É de certo modo triste que ele fique conhecido por esse filme. Existe outra pérola, talvez pouca conhecida, associada a um nome que fará já disparar algumas campainhas e por as orelhas em bico a algumas pessoas: Quentin Tarantino.
O primeiro argumento escrito por Tarantino, tinha este então 25 aninhos, chamou-se True Romance e ficou com ele uns anos a marinar até que finalmente o vendeu para financiar Resevoir Dogs, sendo o resto história ou melhor lenda. Calhando a Tony Scott realizar o filme. True Romance tem uma constelação incrível de actores, talvez só comparável com o próprio Pulp Fiction, se não vejamos: O amoroso par disfuncional, Christian Slater num dos seus melhores papeis e uma Patricia Arquette já a pressagiar o papel da sua vida que viria com Lost Highway, Christopher Walken, aparições fugazes de Brad Pitt e Samuel L. Jackson, James Gandolfini ainda no inicio de carreira mas já a treinar intensivamente para os Sopranos, Val kilmer, Gary Oldman etc. e por último o grande, grande Dennis Hopper que protagoniza com Christopher Walken um sequência de antologia que ficará com certeza para a história do cinema. A expressão de Dennis Hopper, bem iluminada por uma luz dura na obscuridade da caravana, apesar de impávida vai-se transformando através do olhar à medida que o fim se aproxima e a música, o famoso dueto das flores da ópera Lakmé, se intensifica emprestando à cena um carácter operático de grande dramatismo que será logo a seguir quebrado num anticlímax genial, passado do melodrama ao nonsense num golpe de rins de argumento que será sempre umas das imagens de marca de Tarantino.
Se True Romance respira Tarantino por todos os poros: a violência, os filmes de artes marciais de série B, e principalmente os diálogos estonteantes, é um filme de Tony Scott na maneira profissional, poderíamos dizer industrial, como é filmado e montado. Sendo talvez um feliz casamento de um brilhante argumento e um bom e competente realizador.
Por uma vez trazemos aqui um famoso escalador em vez de um escalador famoso. Agora ao ver ou rever True Romance não nos esqueceremos que Tony gostava de escalar. Esta ténue ligação ao mundo da escalada é sempre uma ponta solta que poderemos apanhar para descobrir outras coisas e fazer outras viagens. SM
As coisas que tu sabes… Não fosse o facto desta ser uma notícia verdadeiramente trágica, e teríamos aqui uma ponta solta extremamente bem explorada. Sabe bem de vez em quando deparar com estas pedradas no charco da babugem. Ainda assim, fica aqui um bom elogio póstumo.