“Taque!” O som rápido e metálico de algo a fritar faz-me despertar do torpor. “Taque!” Outra vez. Desta vez abro os olhos, não sem dificuldade, para tentar perceber o que se passa.
Redinha. Falésia da Senhora da Estrela. Agosto. Temperaturas proibitivas. Escalamos de manhã muito cedo e ao fim da tarde. Pelo meio vamos para o café-restaurante ” O Farol da Srª da Estrela”, vulgo “O Pipo”, e estamos ali, à sombra do alpendre, a dormir e a comer gelados, vendo o lento passar das horas mais quentes do dia.
“Taque”! Outra vez. Já sei de onde vem o som. É daquelas horríveis armadilhas eléctricas para apanhar moscas, mas esta está a funcionar muito bem, ou as moscas estão com tendências suicidas. Desperto, vou verificar o que se passa. Há! O Martinho, irrequieto como sempre, não se deixa dormir, e arranjou algo com que se entreter: diverte-se a apanhar moscas com as mãos e depois atira-as com força para a fritadeira. “Taque!” Mais uma. Enfim… é uma maneira de passar o tempo.
O Martinho é, para mim, a personificação de uma época e de um estilo de vias na Srª da Estrela ou Redinha como nós sempre chamamos aquilo. Vias curtas e explosivas, uma espécie de bloco com corda. Esse estilo culminou com o encadeamento em 1995 do Abrenuncio primeiro 8a de Portugal, ou segundo conforme os historiadores verticais que se consultem, ou terceiro se contarmos com o Lobo das Estepes, em Trás-os-montes. Mas, uma via é talvez ainda mais icónica para mim: o Rei dos Frangos. Esta via, na realidade um bloco, consiste basicamente em superar uma típica pança da Redinha com quatro ou cinco passos explosivos e marcou uma época, sendo também uma das primeiras que o próprio Martinho equipou.
Tendo já feito todas as vias existentes na altura, que não eram muitas, começamos a olhar para outras linhas. Aquela pança era apelativa, já tinha um par de spits no tope e tudo. Decididos, montamos a corda para se dar uns pegues. Começamos a assediar a via mas a única coisa que saía eram uns bonitos pêndulos.
Num desses dias andava pela Redinha outro Martinho, mais conhecido por “Flau”. Estava então no auge das suas capacidades e era, sem dúvida, um dos escaladores portugueses mais fortes, uma máquina dotada de dois hidráulicos no lugar dos normais apêndices a que chamamos braços. Gostávamos especialmente de o picar, para assistirmos da bancada à maquina a funcionar a pleno gás. Já tínhamos, por exemplo, apostado com ele o flash da Electra, e para nosso gáudio não nos desiludiu, triturando os monodedos da via enquanto arrastava os pés pela parede acima como se de dois pesos mortos e incomodativos se tratassem, não se podia dizer que fosse bonito mas era tremendamente eficaz.
Pedimos-lhe para experimentar a nova linha e para nossa surpresa rapidamente fez os passos, até que ao aproximar-se do top, solta um grito: “Ei baixem rápido que está aqui um ninho com pássaros”.
“São grandes? São pequenos?” “Pá…não sei dizer…são assim do tamanho de … frangos!” Perplexos deixamos a via a marinar e esperamos que os pássaros crescessem e fossem à sua vida, a via só se equipou e encadeou muito depois quando nos certificamos que o ninho estava abandonado. Mas o mito ficou, e fomos criando histórias sempre com os frangos às voltas, pois sempre que se ia de baixo não se sabia se haveria surpresas no fim da via. “Sérgio, se chegar lá acima e estiveram lá os frangos mando-me logo.” “Ok, tranquilo”. “Mas o encadeamento vale na mesma, não vale?”, “Claro! Rei dos Frangos”.SM
Uma via 5 estrelas, que eu não conhecia a historia do nome!!! Bons tempos esses dos Trepa na Redinha!!
Aquele abraço
João Animado
Matias és o Hermano Saraiva da escalada eheh!!
Desconhecia a história que originou o nome via.
Muito bom,como sempre!
abraço
Magnifica historia!!!!!
Que segredo tão bem guardado! Este ainda não o tinhas libertado! Mais um texto fabuloso, como sempre! Um abraço
Quase uma década volvida a história repetia-se. Nortenhos em plena Primavera eram obrigados a sonhar com as presas da dita até meados de Setembro.
Se o ninho ainda é usado ou não, permanece a questão. Eu mentalizo que sim, esperando que frangos e escaladores possam partilhar eternamente o mundo vertical.
Sérgio, do texto só fica a vontade de reler e reler esperando pela próxima surpresa.
Aquele Abraço
😀
Nostalgia boa.
Obrigada Sérgio e parabéns ao Martinho pelo 23/10 🙂
É sem dúvida uma história bem antiga que como o autor do texto diz e bem, marcou uma época da escalada no nosso país, porventura uma época que jamais se repetirá quanto mais não seja no que concerne aos seus intervenientes. Mas para quem ainda não sabe ou desconhece este mesmo autor tem no seu repertório muitas outras historias interessantes. Aguardem pode ser que vos surpreenda com mais uma.
Esta ainda não conhecia… o retrato de uma geração! Excelentemente escrita. abraços