A Guerra dos Nomes

 

Qual a importância de um nome de uma via ou bloco?

Um bom nome, é como um título, tem de sintetizar uma via ou um momento ou uma história que tenha a ver como o dia em que foi feita, em que passou a existir. Nomear, bem, é uma arte de imaginação e quando os nomes são bons contribuem para a personalidade de uma via.

Neste contexto lembro-me sempre de um texto absolutamente brilhante, publicado originalmente na Revista Montanha e recentemente aqui, onde Filipe Costa e Silva nos dá cinquenta bons nomes de uma vez num jogo/texto sobre a arte de nomear que vale a pena reler.

No plano ético, tradicionalmente colidem duas maneiras diferentes de nomear: a europeia continental e a anglo-saxónica. Nas  vias de escalada desportiva, por exemplo, na Europa o equipador tradicionalmente dá o nome à via e quando esta  não é encadeada pelo mesmo geralmente o primeiro ascensionista mantém o nome. Nos países anglo-saxónicos o primeiro ascensionista tem o direito de nomear ou mudar o nome existente. Exemplos abundam sendo os mais famosas as trocas de Biografie por Realization por Chris Sharma ou a provocação de Ben Moon quando encadeou um projecto em Buoux a “Voie des Barouilles” e lhe chamou Angincourt, um dos primeiros 8c no mundo, numa alusão a uma batalha da Guerra dos Cem Anos que se traduziu numa massiva  vitória inglesa contra um exército francês mais numeroso.

No mundo do bloco o problema do equipador nomeador não se coloca, mas para os americanos um começo sentado novo ou mesmo uma sequencia que comece  numa presa mais baixa dá o direito à pessoa que a fez de mudar o nome ao bloco, ou nomear a nova sequência, uma situação que não recolhe consenso na Europa, tendo mais uma vez a polémica estalado pela mão de Paul Robinson, muito activo na guerra dos nomes, este escalou um novo V15 em Magic Woods aparentemente um velho projecto de Bernd Zangerl chamando-o Ill Trill levando o habitualmente circunspecto Zangerl a vir a terreiro dizer que o bloco já existia, tinha nome e tinha sido escalado em pé, pedindo mais respeito e calma antes de avançar com um novo nome num problema existente, Seguir a questão aqui ou melhor aqui.

Outra questão interessante foi levantada há tempos pelas luminárias do 8a.nu. tendo como origem o seu próprio país. Aparentemente um jornal fez um artigo sobre nomes nazis nas vias de escalada, sendo citado um politico que chegou ao ponto de dizer que fechará a área se os nomes não forem mudados, levando a  federação local a reagir dizendo que de futuro instaurará uma politica de nomes correctos. Quem se lembrará de colocar nomes nazis a vias de escalada? Pelos vistos e vendo mais à lupa é uma espécie de falésia temática sobre a II Guerra Mundial, ou tem uma série de vias com nomes alusivos à II Guerra Mundial. Eis um exemplo de falta de imaginação e de absoluto mau gosto, mas apenas isso,  pois no mundo da escalada sempre existiu liberdade de nomear e a censura sempre ficou, e deve ficar, de fora sejam os nomes ofensivos, escabrosos, pornográficos  ou escatológicos. O que fica sempre é uma questão de gosto indissociável, é preciso não esquecer, da pessoa que dá os nomes.

Muitas questões se colocam à volta disto, o que parece mais justo a maneira europeia ou anglo-saxónica de nomear? Onde começa e acaba a responsabilidade da pessoa que dá o nome? Porque voltando ao texto do Filipe a história de um escalador é também uma história de nomes. SM

21 Responses to A Guerra dos Nomes

  1. topas diz:

    Por trás de uma grande via deve estar um grande nome, não pomposo mas significante. adoro saber as histórias que estão na génese do nome das vias/blocos.

    hasta,
    topas

  2. crash pad dummy diz:

    humm… mais um pequeno big deal.

    Ao que parece o webmaster é sensível a essa questão, ou não fosse a legenda colocada no post QFF a denunciar a sua posição.

    Ainda assim, parece-me mais uma questão de ego do que outra coisa. Vem-me à memória uma daquelas crónicas, mais ou menos pedagógicas, do John Sherman. Para ele, o prazer de realizar um bloco pela primeira vez deveria ser preservado o mais possível. Por isso, era habitual ele fazer blocos, em locais isolados ou desconhecidos, e não os publicitar, nem marcar, deixando o prazer de os (re)descobrir a outro. É certo que iria prejudicar a performance, mas manter-nos-ia mais atentos ao bloco do lado. Por analogia, seria como se estivéssemos num permanente jogo da sedução, à procura da conquista. Não parece mais interessante de que ter um catálogo (croquis) de acompanhantes de luxo prontas a nos servir, onde a única coisa que limita a nossa escolha é o dinheiro (a força)?

    Bom, seja como for, é falta de respeito nomear um bloco que já foi nomeado, mas só se a nossa consciência nos disser que fizemos o mesmo bloco. De qualquer modo, deixo dois exemplos de situações opostas, que não me parecem ter deixado ninguém a pensar nisso: O bloco “três titios” foi aberto de pé e manteve o nome na entrada sentada. O bloco “tri-gémeos zundapp” foi aberto de pé e passou a chamar-se “primeiro menisco” com a entrada sentada.

    Manda mas é uns filmes, com boa música, isso sim…

    • nortebouldering diz:

      Ha…a questão de Hoya Moros nesse caso o nome “trepa-riscos” já existia como projecto dado pelo Cuco e nós, lá está por respeito, não alteramos apesar de se tratar de uma linha ” maior” que talvez merecesse um nome mais pensado ou mais inspirado. Mas o Cuco de Candelário é uma grande amigo e anfitrião e ao brincar nas “suas” zonas porque não ter um pouco de atenção ao trabalho dele?
      O exemplo do “tri-gémeos” é um exemplo clássico da aplicação da ética “americana” e de facto parece fazer sentido, pois não se trata só de uma entrada sentada mas de uma nova sequencia duplicando quase os movimentos do bloco inicial, o problema começa quando são pessoas diferentes e desconhecidas e…profissionais, começam a haver outros interesses para alem do nome em jogo.
      Nomear, não é uma questão de ego, é como dar um título a qualquer coisa, é uma síntese que completa o processo de abertura e encadeamento, um processo de criação que se completa dando um bom nome à criatura.

  3. Não sabia que existia essa atitude por parte de escaladores famosos mas, pessoalmente agrada-me muito escalar em zonas de bloco sem croquis, quando não os tenho ou não existem. Assim, vou fazendo as minhas aberturas, reaberturas, variantes ou seja lá o que for!
    Claro que não as reclamo como tal, mas tenho o prazer de abrir linhas!
    Mas mantinha isso, envergonhadamente, como uma coisa minha!

    • nortebouldering diz:

      Não se pode imputar essas atitudes a escaladores famosos, são é produto de duas tradições diferentes, se bem que no caso do Ben Moon foi pura provocação, mas é apenas uma história engraçada.

  4. Fred diz:

    Faz-me lembrar a visita do Ben Moon, que chegou a Sintra, adicionou um começo sentado ao Karma da Serra e quiz mudar o nome, encadeou um projecto ja chamado por nós de Gripless e deu-lhe o nome de Moon Arete…
    Não é difícil perceber que os nomes ficaram os que estavam e que a super rock star nunca quis saber do que achávamos nós sobre os novos nomes e pareceu mais interessado em colocar o seu nome nos boulders.
    Eu acho que tem de haver uma clara distinção entre descobrir uma linha e encadear, e ser simplesmente um escalador forte e andar a encadear e a adicionar entradas sentadas e a limpar projectos dos outros.
    A lei do mais forte não se aplica a meu ver, isto é um problema de atitude de alguns escaladores nomeadamente do Paul Robinson que não é novato nestas coisas de desrespeitar nomes e boulders.
    Parece que anda de moda os FA’s, algo que só pode fazer algum sentido a quem nunca andou de escova na mão a procurar boulders, há tanto calhau para abrir que só não faz FA’s quem não quer, é normal que em Magic seja difícil fazer um, mas há muitos outros vales e outras zonas para explorar e dar nomes a torto e a direito.
    Se querem tanto dar nomes façam filhos, aí ninguém vos tira o nome e até podem fazer em pé…

    • nortebouldering diz:

      Muito bem lembrado Fred. Já me esquecia dessa mágica visita da dupla Ben and Jerry a Sintra e à Pedra do Urso, ali por exemplo deram o nome de Cannonball a um bloco chamado Ovo, mas será que as culpas são das rockstar’s ou do autor do espectacular guia em que esses nomes apareceram, que na ânsia de publicar meteu os nomes que lhe deram na real gana. Aqui somo levados a outra questão: o papel dos guias impressos na ” cristalização dos nomes”, isso não se sente muito por aqui porque quase não há guias publicados mas reparem na importância que os americanos dão ao assunto, um guia de escalada é como uma bíblia, o que está escrito fica como um dogma.

      • Fred diz:

        Neste caso, Gripless e Karma da Serra ele deu mesmo os nomes ali no local, conosco lá, no caso do gripless acho que ainda em cima do bloco…
        Não posso deixar de achar que é tudo uma questão de ego, qual a necessidade de mudar o nome a um bloco que não foi descoberto por nós, mesmo que a linha que tenhamos encadeado seja mais completa e mais evidente… será que a creatividade por trás dos nomes e a sua autoria é tão importante que haja escaladores tão desejosos de dar nome a qualquer coisa, isto deve estar ligado em parte aquele habito de dar o primeiro nome do pai ao filho…

        Em relação aos guias de escalada e tal como os graus são simplesmente orientativos a maioria dos guias de escalada estão desactualizados ainda antes de serem impressos.

  5. Paulo Roxo diz:

    Acho que os nomes são úteis para identificar claramente as vias, por outro lado também acho engraçado e curioso a historia por detrás de alguns nomes.
    No entanto, as motivações que surgem na altura de dar um nome a determinada via, variam de dia para dia. Não creio que por dar o nome de Hitler a uma via signifique que o seu criador seja necessáriamente um adorador do regime nazi.
    Nas vias que de quando em vez vou abrindo, já dei nomes engraçados (Nós apoiamos a grve dos camionistas Franceses” – Arrábida), provocadores (“Eu não esperava isso de ti…” – Serra da Estrela), pornográficos (“Fui lavar a co… ao rio!”-Cabo da Roca), terroristas (“Komeni” – Arrábida), comunistas (“Directa Carlos Carvalhas” – Arrábida), mais inspirados (“O ultimo bastião da mediocridade” – Serra da Estrela), menos inspirados (“17ª” – Cabo carvoeiro, etc.
    Creio que a escolha dos nomes tem mais a ver com o espirito do momento do que propriamente com o caracter do seu autor.

    Nota: os nomes que referi atrás como exemplos não foram dados apenas por mim mas também pelo/s companheiro/s do momento.

    Bom texto.

    Hasta

    Paulo Roxo

    • nortebouldering diz:

      Adorei “Directa Carlos Carvalhas”, não conhecia, o ” O ultimo bastião da mediocridade” já tinha visto por aí e enquadra-se definitivamente na categoria dos nomes que acho memoráveis e inspirados. Para mim, como já referi, tem a ver com a imaginação e bom gosto e nesse aspecto revelam precisamente esses traços da personalidade do, digamos, nomeador. Claro que um escalador muito prolifero nem sempre pode estar inspirado.
      Agora, o nome pode não estar ligado com a via em si, podemos ter uma via medíocre com um grande nome e precisamente o contrário. Mas quando as duas coisas se juntam, uma potencia a outra engrandecendo o resultado final. Mas nomes são apenas palavras e para muita gente o negócio são os números.

  6. Filipe Cardinal diz:

    Na minha singela opinião tenho a destacar 3 pontos:
    1. Um projecto nomeado por quem escova e/ou fura deveria estar aberto a nova nomeação por parte de quem faz o FA;
    2. Alterar o nome de um problema somente porque se arrancou sentado é ridículo;
    3. A alteração do nome de uma via à conta do FA da extensão é igualmente ridículo, sendo aceitável caso joguemos com o nome da designação original. Ex.: “Palancas Negras”, a extensão poderia simplesmente chamar-se “PN extensão”, mas “Palancas d’Aço” dá-lhe outra conotação e convenhamos que é mais artístico.

    “Fora isto tudo bem…”

  7. Pedro Rodrigues diz:

    eu espero é que a novela inspire de novo o romancista de serviço…

  8. Flip diz:

    Parece-me que estão a usar a palavra errada nesta discussão, não se trata de nomear mas sim de dar um nome. “Nomear” é dizer o nome (que já existe). Mas aparte isso, não acho que o facto de encadear deva atribuir direitos de dar novos nomes. Dar um nome sempre esteve ligado ao acto criativo de descobrir e não ao acto bruto de conquistar, por exemplo, não consta que o senhor Everest tenha subido o seu monte. Quanto a blocos, vias e suas variantes, a ideia é a mesma, se a inovação for uma verdadeira “redescoberta” do bloco ou via, merecerá algum género de rebaptismo.
    abcs

    • nortebouldering diz:

      Obrigado pela premente correcção. Parece simples o conceito de ” verdadeira “redescoberta” ” e de facto é isso que defendem os americanos: uma sequência nova que acrescente algo de significativo deve ser nomeada, ups…baptizada com outro nome. O problema, como sempre, são os abusos desse conceito. Esta flutuação ética ou pântano ético são no entanto uma das coisas mais interessantes da escalada, restando-nos esperar que à superfície venham sempre os melhores conceitos.

    • Pedro Rodrigues diz:

      cognominemos com mais cuidado, para que possamos nomear com mais prazer.

  9. Pena diz:

    Eu acho que o nome deveria ser algo que conte uma historia do boulder, a sua aparencia, a forma como descoberto, ou mesmo alguma historia ilariante que tenha acontecido nesse dia.
    Sem duvida vivemos uma crise mundial que poderiamos denominar a crise do “8a.nu” ou a crise dos “FA´S”. Hoje em dia ha demasiada gente que se interessa com o grau e com abrir novas linhas (para fazerem o FA) apenas para poderem ter mais pontos ou ficarem a frente do outro no ranking. Enfim uma verdadeira “tonteria”.
    O dar o nome é reflexo disso mesmo. Hoje em dia querem todos deixar o sua marca, e nada melhor que acrescentar um começo sentado ou encadear um projecto para poderem dar o nome que quiserem e deixarem a sua marca. Outra “tonteria”
    É o que o fred diz, ha tanta rocha… Que é feito do prazer da procura, da visualização, do será que é possivel?, do será que parte?… Talvez seja algo que tenha ver com a pessoa, mas acima de tudo acho que algo que tambem se aprende com a maturidadede de cada um.
    Em relação a cultura americana, eles tambem teêm a mania que são os donos do mundo. Acho que todos devemos respeitar o nome dado pelo visualizador/explorador da linha em questão, e se gostariamos de mudar, deveriamos falar com ele a fim de chegarmos a um consenso.
    Em Sintra talvez pos ser uma zona pequena isso passa-se. Os nomes são dados sempre com a opiniao e consenso de todos. Em relação ao Ben Moon, os ingleses tambem são demasiados arrogantes… Mas não faz mal, os locais souberam reconhecer isso e mantiveram os grandiosos nomes!!!
    Em Espanha por exemplos pelo menos pelo que eu vi e conheço (o que já é bastante), respeitam-se todos uns aos outro e tão-se uma beca a “marinbar” para se é FA ou não, escalam o que veêm e o que curtem, independentemente se sabem se já foi feito ou não.
    Em relação ao “trepa-riscos” não sei se já viram no ultimo video de hoya moros (http://vimeo.com/15904662), mas o nome mantem-se. Talvez por lapso ou desconhecimento tivessem dado outro nome. Mas lá esta, encadear e manter em segredo tambem não ajuda. Ainda por cima com as novas tecnologias, Bora mas é divulgar…
    Espero não ter ferido as susceptibilidade de ninguem.
    Abrc
    Pena

    • nortebouldering diz:

      Interessante denominação: “crise do 8a.nu”. Confesso que, como não utilizador, muitas vezes me escapa a própria mecânica da página, refiro-me ao sistema de pontuação em si. Mas de facto é mais um efeito perverso a associar à já apontada inflação do grau com o objectivo de obter mais pontos.
      A escalada espanhola não é diferente do resto do mundo, os espanhóis são apenas mais confusos e impulsivos, e muitos deles (atenção: não, todos eles) nem conhecem os princípios ou as regras do jogo o que aumenta ainda mais a confusão.
      A história da Trepa riscos foi um pouco intensificada pelo post seguinte da Guerra dos Nomes, mas não foi intencional, era apenas uma curiosidade por ter visto o nome Capitan Nemo no topo on-line, na altura eu o Zé e o Júlio escalamos essa proa que era um projecto chamado trepa-riscos e assim ficou.
      Obrigado pelo comentário bastante incisivo.

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