Recordações da Época Passada – No Salto Tudo é Perfeito –

A temporada começa em força no Salto, o galego José António Villar à vista na Idade do Gelo (7a+). Foto: Oldemiro Lima

Escalar no Salto é uma aventura. Uma aventura que começa na estrada. Rapidamente baptizamos dois troços, como se de um rally se tratasse, entre a auto-estrada e a Sra. do Salto. Dez quilómetros de puro desassossego. O primeiro, entre a A4 e Recarei, ganhou o nome de Recarei Racers, porque a probabilidade de apanhar um carro tuning fora de mão em sentido contrário são para aí… dez em dez. Chegados a Recarei, respiramos fundo, por breves segundos, e preparamo-nos para enfrentar o troço: Mad Max Racers, onde entram em acção os motoqueiros aceleras sem capacete, executando desde configurações do estilo festival da GNR, isto é, ver quantas pessoas consegue levar uma mota em andamento, até malabarismos que só me lembro de ter visto no Poço da Morte.

O Poço da Morte. Como eu adorava aquilo, não havia S. João ou Sr. de Matosinhos em que não implorasse um bilhete. Primeiro era o fascínio das motas do mais puro estilo anos 70, depois o pré-espectáculo cá fora em que um mestre-de-cerimónias apresentava os intrépidos pilotos kamikaze, prestes a enfrentar uma morte certa. Convencidos, subíamos a íngreme escada e era preciso furar entre a multidão para se conseguir uma janela entre braços e ferros e assim ganhar a vista picada e vertiginosa sobre a arena. Aquilo começava e o barulho era ensurdecedor, primeiro, um carro ou kart ou sei lá o quê, depois as motas, com os pilotos a usarem lenços na cabeça em vez de capacete e sempre a acelerarem cada vez mais depressa, sem uma mão…sem duas… abriam o peito e esticavam os braços sempre com uma expressão impávida. Como é bom ser pequeno, desconhecer toda a Física, e as forças centrípetas e centrífugas servirem apenas para alimentar o vórtice da nossa imaginação. Acordo de repente. Esta não é estrada para se sonhar acordado. E, já chegamos ao Salto.

Descemos a pique para o terreiro, uma espécie de “tarrafal” poeirento onde conforme os dias podemos encontrar de tudo, literalmente de tudo. Motoqueiros de duas e quatro rodas em permanente e infernal sobe e desce da ladeira. Vendedores de banha da cobra. Piqueniques entre o caos de carros estacionados. Concentrações de smart´s. Equipas de vídeo casamenteiro a filmar pares de noivos, numa espécie de twilight zone nupcial. Insufláveis. Paredes artificiais de escalada. Campeões do rappel e do slide. E, por fim pescadores e banhistas num rio em que o oxigénio não abunda.

Do outro lado do rio, mesmo em frente ao “tarrafal”e na base da falésia trad fica uma bucólica e bonita quinta-casa- moinho. Mas, também, para os felizes moradores nesse jardim do éden terrestre a vida é uma aventura, pois são protagonistas da mais incrível história do Salto, o que não é pouco, e que dá nome a um sector: o Sonho Interrompido. A história prestes a passar à categoria de mito suburbano é mais ou menos assim: A noite decorria tranquila, embalada pelo doce correr das águas, quando, na estrada que passa em cima da falésia uns rufias da zona decidem atirar um carro pela ribanceira abaixo. Onde vai cair a viatura? Precisamente na divisão ao lado onde dormiam os donos e moradores de tão tranquila villa. Garantindo-lhes um despertar arrasador, alem do sonho interrompido.

Passamos este cenário de guerra, e esgueiramo-nos pela margem do rio, por um trilho secreto que nos leva ao nosso sector preferido: o Suaves Prestações, onde a base das vias forma uma espécie de ilha de tranquilidade. Ali a acção do tarrafal apenas nos chega como um som longínquo e incomodativo, um pouco como a televisão de uns vizinhos octogenários permanentemente sintonizada nas telenovelas e com o som nas alturas.  

E a escalada? Bom, a escalar, depois do que passamos, sentimo-nos tão radicais como os frequentadores de um shopping ao Domingo de tarde, ou tão aventureiros como quem tem de mudar de barbeiro. A única coisa que faz a adrenalina voltar a um estado latente é ter de voltar…SM

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