Haverá Sangue

Inimigo número um dos “blocadores”. Pode ditar o fim de uma sessão ou simplesmente acabar com uma roadtrip. Assume vários nomes e variantes conforme a região ou país onde estamos. Mas, no fim, vai dar tudo ao mesmo e de certeza que…haverá sangue.

Estamos a falar de bifes, mas se estivéssemos em Hueco Tanks só nos entenderiam se disséssemos bloody flapers. Se estivéssemos em França teríamos de dizer steak em inglês mas com pronúncia francesa. Por uma vez, fintamos o jogo dos galicismos, anglicismos, espanholismos e neologismos que infestam a escalada portuguesa e ficamos bem servidos com um excelente bife. Que, por acaso, resulta de um aportuguesamento do inglês beef, português, português seria naco ou posta, pois não somos muito dados a filetes, mas não seria prático e muito menos correcto dizer: falta-me um naco no dedo ou saiu-me uma posta da mão. 

A Nortebouldering preocupada com o derrame intempestivo de hemácias e leucócitos em presas alheias, deixa aqui algumas sugestões, ou conselhos, para evitar essa festa dos sentidos que constitui a experiência de fazer um bife na pedra. E, também um guia de tratamento para quem não seguir esses conselhos e se vir com um bife em mãos. 

O nécessaire 

Pois é, mesmo o “blocador” mais endurecido, tem de ter um, especialmente em roadtrip, se quiser escalar o dia inteiro e fazer a sua pele durar para sempre. Eis o que é mesmo necessário o nécessaire carregar. 

Lixa fina. Pode ser um, muito pratico, bloco usado para lixar madeira, à venda em lojas de ferragens ou tiras de lixa para unhas, à venda em qualquer supermercado, aqui podem pedir sempre às vossas namoradas, esposas, irmãs ou mães que adquiram o produto se não quiserem ser vistos a deambular por semelhantes expositores. 

Bálsamo. Vulgo creme hidratante para mãos. Existem dezenas de marcas e cada um tem a sua preferida, havendo já produtos específicos para a escalada como o excelente Climb-on

Corta-unhas. Útil para cortar pequenos pedaços de pele recalcitrantes. 

Gaze estéril e um desinfectante, uma solução interessante é betadine em pomada. 

Adesivo, vulgo Strappal

Super-cola. Isto merece um comentário mais aprofundado, ver mais à frente. 

Cuidados preventivos 

Lixar a pele. A ideia aqui é lixar os calos para os deixar uniformes com o resto da pele.

Não vamos lixar a pele que está boa, a rocha encarrega-se disso, mas as irregularidades que podem, digamos, “engatar” na rocha e fazer estragos. Ostentar calos monstruosos, como medalhas de treinos compulsivos, é o caminho mais rápido para um bife. 

Usar magnésio com moderação, principalmente o líquido. E, uma vez acabada a sessão lavar rapidamente as mãos. Nada de saltar directamente para o carro, fazer a pequena viagem Pedra do Urso – Porto e chegados a casa cair, exaustos, na cama, só lavando as mãos no dia seguinte. 

Hidratação. Todas as manicuras sabem que a pele tem uma coisa chamada balanço hídrico, que, como é bom de perceber é desequilibrado pelo nosso pó preferido e pelas condições que mais gostamos para “blocar”: frio seco. Assim, uma vez livres do magnésio, toca a hidratar para devolver à pele as condições ideais para a sua regeneração. 

Por fim, a sugestão mais difícil: saber parar. Fazer repetidamente o mesmo passo é o caminho para furar um dedo mas também é o caminho para fazer um bloco por isso a solução é ir observando os dedos e parar antes que seja tarde demais. 

Se, mesmo com estas milagrosas sugestões as vossas mãos se transformarem em delicatessen, eis o que fazer, conforme os casos: 

Cortes e furos  

Irmãos mais novos do bife, constituem o dano mais comum nestas paragens, mas se não formos cuidadosos acabam por levar ao famigerado bife. Uma vez o dedo furado, nada a fazer, lavar com água limpa, desinfectar e se quisermos continuar a escalar temos de passar à arte do adesivo, operação que tem de ser feita com algum cuidado para que o adesivo não salte fora ao primeiro ensaio. Eis o que fazer: Colar um pedaço de adesivo ao longo do dedo, em cima e em baixo. Depois, com um pedaço mais fino – aí 0,5 cm de espessura – começar a enrolar o dedo da ponta para trás, desta forma impedimos que as dobras do adesivo engatem na rocha. Conforme a localização do furo enrolar duas ou três falanges. 

Gretas, fissuras e crevasses 

Frio, magnésio, escalada em excesso em presa muito pequena, leva muitas vezes a estas irritantes ocorrências, a pele simplesmente cede e abre, produzindo-se fissuras extremamente dolorosas, podendo levar dias até que fechem outra vez. Para as evitar: lixa e creme hidratante, uma vez ocorridas um dos remédios pode ser recorrer à super-cola, para as fechar. Já nos debruçaremos sobre o seu uso e aplicação. 

Bifes 

Um bife verdadeiro, é algo sério e sangrento. Geralmente ocorre na falange intermédia onde a pele levanta toda, sob a acção de uma presa cortante. E aqui, podemos seguir dois caminhos, a famosa “cura de Hueco” que reside em colar a pele outra vez usando KrazyGlue  – uma marca de super-cola – , usar adesivo e continuara a escalar. Esta solução é altamente desaconselhada pois o risco de infecção é grande numa ferida destas e essas colas não são propriamente feitas para esse fim.

O outro caminho é simplesmente lavar, desinfectar, fazer um penso com gaze e adesivo e esperar por melhores dias. 

A super-cola 

O uso da super-cola na escalada, tem a aura de quase um mito urbano, senão vejamos: Uns dizem que foi desenvolvida na Segunda Guerra Mundial para fechar feridas de batalha em cirurgias de emergência. Outros dizem que foi inventada, pelos mesmos motivos, mas na Guerra do Vietname. Isto para garantir que pode ser usada para fechar os nossos famosos bifes. Diz-se ainda que varia com o tipo de cola, a super-cola é cancerígena e a Krazyglue não. Muita desinformação.

Super-cola, krazyglue etc. são produtos similares que tem como base o cianoacrilato, produto inventado em 1942 nos laboratórios da KodaK, e comercializado anos mais tarde como cola sob o nome Eastman 910. Desde o inicio que o seu uso em medicina foi considerado e aparentemente foi mesmo usado em 1966 na guerra do Vietname por equipas médicas especiais. Apesar disto a FDA mostrou-se relutante em aprovar o seu uso “civil”, devido a efeitos irritantes para a pele. Foram por isso desenvolvidas novas versões do composto chegando-se ao “2-octyl-cyanoacrylate” aprovado para fechar incisões cirúrgicas em 1998 pela FDA. Havendo actualmente um produto comercializado sob o nome de dermabond que usa este componente.

Mas, podemos ou não usar a super-cola corriqueira? As super-colas para bricolage usam outro composto o: “methyl-2-cyanoacrylate”, um adesivo mais forte, que não só pode irritar a pele como provocar queimaduras, pois a polimerização da cola provoca uma libertação de calor significativa. Assim, se formos pelo lado da segurança este produto não deve ser usado numa ferida aberta ou mesmo sobre a pele. 

Bom, continuaremos a furar os dedos, pois não há cola que nos mantenha em casa quando as condições são perfeitas para blocar. Mas, para quem chegou até aqui, não será por falta de informação.

5 Responses to Haverá Sangue

  1. Nuno diz:

    De quem é a mão?

  2. Filipe diz:

    Lixa fina, bálsamo, corta-unhas, gaze estéril, adesivo… Lavagens, hidratação, balanço hídrico…

    Será que estamos em face da evolução para o metro-blocador?
    Abcs

  3. nortebouldering diz:

    A mão é do Luís Pinheiro…
    O bloco feito com alguma intensidade, tem muito pouco de metro…hehe, pois o objectivo não é a estética das mãos mas sim fazer com que elas aguentem mais tempo a tortura, assim, dentro do mesmo registo seria mais uma evolução para o Sado-masoque-blocador. De resto não é uma evolução, são truques já com muitos anos.

  4. sotnas diz:

    Aprendi também que um grande cuidado preventivo é não lançar “á morte” pra presa desconhecida… Abraços

  5. fred diz:

    Largar a presa no momento certo e intervalar os pegues, ajuda muito a poupar a pele…

    Um truque para quem sua muito das mãos ou tem a pele muito fraca é um creme chamado AntiHydral, criado para endurecer a pele após amputações, é aplicado durante a noite e lavado de manhã, tem um inconveniente que é secar muito as mãos se calhar é eficaz em determinadas alturas do ano e em determinadas pessoas.
    As pessoas que conheço que usam ou usaram dizem que faz muita diferença em termos de aderência…

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